sábado, 12 de outubro de 2013

Centelha apagada


Aos doze anos eu ainda era criança e brincava de bonecas. Mamãe fez-me um vestidinho.
E mandou-me assistir à missa das 9h na Igreja Matriz.
Meu vestidinho novo me enchia de orgulho. Não era de rendas, brocados, mas de um algodãozinho macio. Mamãe colocara nele um recorte quadrado no decote e enfeitara com sianinha verde. Fora feito por ela própria em sua máquina de costura. A manga japonesa completava o modelito.
Na igreja, ajoelhei-me para comungar. O padre foi distribuindo a hóstia sagrada às crianças ao meu lado. Minha vez. O padre parou, examinou-me e disse:
- Você não serve para a comunhão!
Virou-se e continuou no seu santo exercício de salvar do purgatório as pequenas almas. Voltei-me e aguardei o final da missa. Aguardei? Já nem sei mais o que aguardei depois disso. Na minha cabeça, as palavras VOCÊ NÃO SERVE PARA COMUNGAR, VOCÊ NÃO SERVE, NÃO SERVE...SERV...NÃO!
Cabeça baixa, voltei para casa e contei para a minha mãe.  Não se fez nada. O padre poderoso mandava na igreja e no mundo, naquela época. Ai dos cristãos que se rebelassem: era a época do fogo do inferno. E para isso nem precisava morrer.
E o que eu sentia pelo pároco e pela paróquia começou a morrer também. Essa atitude lançara-me no coração uma nódoa de trevas! Fora um batizado na tenebrosa maçonaria do mal. Não me lembro mais de ter tido vontade de me ajoelhar para a comunhão. Deus está por detrás de tudo, mas as criaturas ocultam Deus. Até hoje sinto um ponto de fogo queimar até a medula dos ossos, fogo imortal e infinito, e que coisa alguma pode apagar.

 PalasAthenaanamariajório, 12 de outubro de 2013.